Wednesday, March 1, 2017

Tempo de desembocar


Eu que há tanto tempo não me jogava no mar
Esgotei minha natureza por medo de desembocar
Depois de tanta rejeição
Perdi o prumo e errei a direção da imensidão
Saturei espaços errados que do sal careciam
Encontrei corações imensos que me permitiram existir enquanto curava minhas feridas
De tanto medo do mar
Por guardar tanta falta de mar pra me abraçar
Nem sempre achei oceano que acolhesse o meu tanto amar
Me prendi em represas
Me perdi da minha natureza
Me desencantei em nevoeiros
De tudo que no passado só me levou a escorrer em bueiros
Mas a pulsão da minha fonte é verdadeira
E me perder de mim faz parte da minha natureza
Quando me lanço fora de mim
Feito rio que abraça o mar sem fim
A correnteza é quem me carrega além do que não cabe em mim
Só o que vem de mim não é o suficiente pra me reencontrar em si
É o mar quando me abraça que me faz re-existir
E completar a sina de quem nasceu pra se cristalizar no sim
Georgia, 2017

Tempo de viajante


Tempo não se mede com relógio
E distância não se mensura com nenhum tipo de medição
O tempo aproxima
E também distancia nossas realidades
Há tempos de pura repulsão
E outros que geram potente atração
Mesmo quando o tempo nos atrai
Quando estamos prontos pra viver as mesmas experiências
Há um entre-nós que não existe em calendários
A distancia não se mede com muros nem estradas
Atravessei muitas estradas pra tentar me aproximar
E descobri que estradas não aproximam pessoas
Nem materializam fatos
Só o mar une os continentes
Só a emoção dá a temperatura que aquece a comunhão
Não há fogo que atravesse nenhum oceano
É apenas combustível pra seguir minha embarcação
A paciência navega entre tudo que nos distancia
Todas pessoas que me aproximei tinham sua própria ilha
E nunca foi o suficiente habitar apenas meu continente
Não sou viajante de visuais diferentes
Vivo embarcada em busca de aproximação
Há muito tempo desisti da solidão
Por isso sigo em frente em constante navegação
Em busca de tudo que me coloca em conexão
E redimensiona a distância
Que só o mar distancia ou aproxima
Fazendo valer a pena o tempo de quem viaja
Ancorando no meu coração o saber partir
Assim como a hora certa de tornar a vir
Georgia, 2017

Tempo da maturação


Deram-me um calendário religioso que não escolhi viver
Intragável condição de quem nasceu depois da catequização
Vivo o sincretismo a minha maneira 
Nem só de orixá disfarçado de santo a gente se faz
Meu tempo não se realiza apenas em torno do ciclo do sol
Nem se calcula usando apenas bússola e farol
Não me afeiçuo a datas que não me cercam
Meu calendário não se calcula como o dos adeptos
Nem me alinho em dias que não me dizem quase nada
Apenas me sirvo por tentar ser um pouco mais social
E na realidade mundana tambem me ancorar
Meu ritmo interno escolheu habitar entre o fruto e a flor
Entre tudo que desemboca o que um dia se fecundou
Todo feito que um dia foi sedução
É efeito natural da beleza colocada em exaltação
A fartura que vira alimento quando cai no chão
Batizando a realidade com a natureza da maturidade
Traz o melhor sabor em tudo que é nutrição
A doçura está contida em tudo que é maduro
E no que fatalmente nos alimenta apenas no tempo de maturação
Georgia, 2017

Desabafos esperançosos


De tanto desafeto que me consumiu
Busco alento em alguma claridade
Que minha consciência ainda não captou
Das indiferenças que jamais absorvi
Mesmo a compaixão que consegui ouvir
O suficiente dela nao apreendi
De quem nos vira as costas
Os motivos sei que entendi
E a liberdade ao outro que ofereci
Nem sempre é o necessário pra da mágoa emergir
Não preciso fingir ser nenhuma das muralhas que já subi
A força com a qual eu realmente aprendi
Mora no reconhecimento de tudo que ainda não transcendi
O pouso seguro que nesse processo reconheci
Habita em tudo aquilo que ainda não consegui
E o pesar sincero de quem almeja muito mais
É a condição necessária que com a lua compreendi
Quantos passos almejo dar
E quantas montanhas ainda quero escalar
Aonde habitam meus reais motivos
De tudo que ainda preciso concertar
E de quantas coisas em meu domínio não podem habitar
Prefiro à aridez me entregar
Na esperança do verde que um dia pode brotar
Os desafetos não me cansam
Nem tampouco são as vigas que me levantam
Prefiro buscar as relevâncias
Que o poder da transformação é capaz de doar
De toda semente que já vi germinar
Me rendo ao que na natureza nunca se pôde negar
No amanhã que a chuva pode transformar
Sou romeira em todas terras secas
Entregue a fé que movimenta as impossibilidades
Sem chapéu de palha que contenha o calor do sol
Sustento o excesso de claridade que castiga a realidade
Afim de milagres cotidianos que nenhum preto velho negou a probabilidade
Georgia, 2017

Religião mulher


Chamaram de bruxa
Eva, a pecadora
Ou ainda Madalena
Uma pessoa impura
Mas como ser uma criatura suja
Se é teu corpo que sustenta todo bebê puro?
Como pode ser uma alma imunda
Se foi teu corpo que alimentou todo homem que já é maduro?
Mulher é vida
É feito a lua
Que na penumbra oculta
Revela a face encarnada
De qualquer alma pura
Mulher é tempo
Nunca pára com seus arrodeios
Hora cheia, minuto mingua
É ciclo vivo
Todo mês estoura
O que seu período aglutina
Mulher é sangue
É natureza bruta
Força selvagem
Disseram louca
E outros puta
A vida não pára
E derrama denovo teu sangue
Devolve à terra essa injúria impune
Mulher é ventre
É colo quente
Dois corações ardentes
Um no peito preenche toda casa de nutriente
Do outro pulsa o ninho que fez nascer todo ser vivente
Mulher é templo
Reconexão
O religare que não precisa de doutrinação
Caminho eterno de sacerdócio
Sendo além de qualquer barreira
Uma fera que jamais entrará em extinção
Incontestável natureza esbravejante
 Perpetuando a espécie na sua irrefutável missão
Georgia, 2017

Porto de sanidade


Sou tão cheia de segredos
Que duvidariam de mim ate os mais esotéricos
Minha mente que não teme as impossibilidades
É refém de uma criança que não se deixa vacilar
Minha jóia rara que o marujo guardou
Nunca deixou um dia sequer de me ensinar a acreditar
Estrela menina que pulsa em meu peito
Jóia rara do meu viver
Apenas revelo o sonho quando cristalizado
Mas mesmo assim não quebram a fronteira do aceitável
Por isso sigo com paciência de baobá
E abraço a vida com meus galhos de gameleira
Escuto vozes que ressoam de dentro de mim
E esse é o alívio que me guiou no meu mar sem fim
Todas perguntas tiveram respostas
Se a natureza não confirmasse o diálogo que nasce de si
Essa história podia ter me levado até o hospício ou algo assim
A natureza me alforriou
A loucura do homem se afastou
E os livros que me emprestaram perderam o sentido
E até mesmo quase todo seu valor
Acredito no vento
Nos pássaros, na lua e nas estrelas
Porto da minha sanidade
Minha vida hoje só tem sentido
Porque eu a vi existir na natureza
Georgia, 2017

Possuída pelo Tempo


O tempo escorre em minhas mãos
Apenas por ser força bruta
Atiçada em plena ebulição
Não basta viver sua força
Ele sempre quer ser percebido
Não tenho juízo o suficiente para vivê-lo
Ele é Deus do jeito mais claro que tenho visto
Artimanhas infinitas desabrocham
Da flor do tempo que há em mim
Meus trinta anos se vestiriam de loucura
Se possuísse meu corpo pra morar dentro de mim
Contenho-me com tuas peraltices que se mostram pontuais
Vestida de tempo apenas nas notícias dos jornais
Na tua frente sou cabeça de menina ainda cheia de coisas banais
E mesmo diante das impossibilidades em nossos lances carnais
Sempre o percebo enquanto lembro que somos mais que simples mortais
A tua força que escorre mesmo sem eu merecer
Além de brinde
Não gera ônus
É bônus sempre
Mesmo se eu não perceber
A mim se volta
Não há revolta
Apenas apostas
Que no espelho se mostram
Em tua cara e coroa
Todos meus receios se esgotam
Tudo que eu tenho coloco em jogo pra tua vitória
Por isso que a mim sempre se mostra
E no teatro da sua fascinação
Brinca com Deus
É criança, mulher e ancião
Nos encaixa ser etéreo e mente
aonde quiser tornar real
O destino irremediável da sua condição
Georgia, 2017

Caçadora de essências


O óbvio continuará sendo intrigante
Pois as revelações não me convencem
Caminho mata a dentro precavida
Seduzida pelos mistérios
Até perceber que os persigo
Não há segredo que sustente minha busca
Minha curiosidade não a troco por descobrimentos
Não barganho em busca de revelações
Nem me fascino com mistérios que enfeitiçam minha percepção
Nem me deixo seduzir por nenhuma conversa velada
Não sou caçadora de mistérios
A magia revelada é o porto da minha alma desmascarada
Não preciso buscá-la
O mar me carrega na sua eterna navegação
Cada véu que do corpo cai
É condição natural de todo espírito que se volta para sua nudez
Perseguidora de verdades
Tenho fome de transparências
Sou caçadora de essências
E de tudo que se alinha com a minha subsistência
Substância suficiente
Dentro do peito há a fartura que me preenche
Não há competição que desalinhe a síntese da comunhão
Nem há mistério que nos desligue a consciência da precisão
A simplicidade não se reproduz em nenhuma trilha regada a fascinação
A claridade de todo Sol que nasce
Clareia o requinte que só a rusticidade faz realce
a vida É
Simples mente
Georgia, 2017

Portal dos miseráveis


Ó, miseráveis, recuso-me em abrir a porta
Não me vencem as picuinhas
Muito menos as mediocridades
Nasci regada a exageros
A abundância que nunca rima com arrogância
É avessa a individualismo
Alma rasa em mim não se engancha
Não nasci para mendigar meu interior
Jogos de conveniência não desbancam meus poemas
Rasgo as páginas que não escrevi
E me recuso a desenhar flores que não plantei
Meu peito é rio de leite nutridor
Não vim ao mundo feita para guardar rancor
Muito menos pra viver com pouco
Ou merecer pouco valor
Minha moeda que não se converte fora do meu ideal
Não é suporte de mulher medieval
Minha brutalidade mora na minha consciência habitual
Sou besta fera a cercar todo meu capital
Minha riqueza que não cessa pra sobreviver em meios patriarcais
Esse equilíbrio nunca alimentou meu verdadeiro carnaval
Sou alma que se joga sem freio pra segurar o peito
As únicas referências que guardo são alavanca pra minha natureza real
Não há verdade que fuja do que cravado no centro está
Sou amor antigo sem pressa a se revelar
Pois foi na eternidade que eu me converti e decidi morar
Georgia, 2017