Sunday, November 5, 2017

Tempo de migração

Tempo de Migração

Sou uma ave migratória
Abraçando uma nova partida
Minha casa é o horizonte
E é além do abraço que bato as asas para voar
Como uma cigana que precisa perambular
Assim me sinto sempre que a hora dá
Não há mais estrutura pra me sustentar
É a hora da partida quem direciona minha vida
Como todo ser que é livre e precisa de mais que uma contrapartida
A natureza é quem me acorda
Porque o meu instinto precisa recomeçar

Georgia, 2017

Tempo de ausências

Tempo de ausências

O silêncio que precede o parto
Não é ouvido pra qualquer ausência de ruído
Só a paciência é capaz de captar
Pois é ela quem faz o fio da vida desenrolar
O silêncio que me dá abrigo
É o melhor amigo pra quem perdeu algum sentido
A sina dos surdos é vibrar em outra dimensão
Aonde a ausência faz sentido pra uma melhor qualidade de vibração
De tudo que é necessário reavaliar
Já que o som é muito mais que palavras ao vento jogar
Não venero a surdez
Nem quero deixar de escutar
É apenas o silêncio que pede
O melhor lugar em mim pra falar

Georgia, 2017

A hipocrisia do herói

A HIPOCRISIA DO HERÓI

Eu venho lembrar da resistência
Quando a velha máscara do branco caiu
Depois de catequizar o índio
O herói branco na história sempre repercutiu
Açoite pra acalmar os selvagens
Nego é bicho brabo, justificou
E mais uma vez a elite nos confundiu
Vestiram o algoz de bom moço
Era o maior exemplo a se referir
Contrariando a resistência
Assinando embaixo no que o colonialismo sempre preferiu
Pretos imundos
E índios arredios
Hoje se vestem de pobres e anarquistas
Quem é tua referência, homem alforriado?
Se ainda escuto o toque que vem da senzala
E o açoite que forjou uma nova máscara
Ainda cantam seus hinos para os anjos brancos da igreja bizantina
Fantasiados de uma nova era que de longe não se afirma
Hipocrisias neocoloniais!
O chicote ainda estrala nas costas da minoria
O índio se suicida pra sustentar sua liberdade
E ainda vejo no horizonte um futuro de hipocrisias
O herói branco é capa de revista
E no jornal está escrito o enunciado:
"Sigam o exemplo do herói
Maltratem os pobres
E expulsem os arredios"
Aguardarei para fazer a pergunta que te confirma:
Depois me diga quem é teu guia.

Georgia, 2017

A morte do tempo errado

A MORTE DO TEMPO ERRADO

Tenho repúdio a essa idéia de redemoinho
Como se o tempo fosse um ciclo de penitências
Reciclando as histórias mal vividas
Realinhando o tal karma pra um dia eu ser bem dita
Mal dita foi a história de que tempo é ameaça
Uma outra máscara do deus da punição
Que a promessa do juízo final torna a aplicar
Um torturador que volta sempre pra te assombrar
Carregando um livro de penitências
Trazendo um Juiz pra seu problema solucionar
O Tempo não se mostra pra quem é réu
Nem é agiota que voltou pra te cobrar um papel

Do Tempo eu só quero o natural
Mistério contido no desabrochar da flor
Som que inicia o romper da Aurora
Podium de chegada que encerra o livro com sua história
Tempo é melodia
Do ritmo da vida que me faz vibrar
Enunciado divino
Que aponta pra onde eu quero me lançar
Hora de partir
Hora de voltar
Hora de decidir
Hora de introspectar
É lei imbatível
Que anuncia o ritmo que a vida dá
A cadência que o além me mandou dançar
Pra que o Equilíbrio possa  finalmente reinar

Georgia, 2017

Intimidades salutares

INTIMIDADES SALUTARES

Eu tenho uma vida recheada de carinhos
E uma rotina regada a intimidades
Minha casa é partilhada
Pois meu peito não poderia ser repartido
Não consigo opinar por nenhum partido
Sou negra, índia e branca anarquizada
Por isso sigo apelos que ainda pouco comunico
Vazão interior que me lança em tudo que é abrigo
Sou caçadora de peitos
Colos, ombros e joelhos ardentes
Sou afago que nunca cessa
E um desejo de intimidade que não se contesta
Pra mim o abraço ainda é pouco
Quero o sabor da alma
O furor das estranhas que ainda não fala
E se tiver mais coisa no fundo
Na raiz do íntimo de gente, mulher, criança, mulato e caboclo
É pra lá que eu corro
Sou bicho entranhoso
De todo mundo quero sempre mais um pouco
Contato de alma nua
O corpo pode até estar de burca
Vulnerabilidades pra mim são muito mais atraentes
Adoro gente que é de verdade e que sente
Que tem peito e coração caliente
Intimidade é desvelar o que não se pode mais viver ausente

Georgia, 2017

Santo que a gente gosta

SANTO QUE A GENTE GOSTA

Deve ter um santo que em mim encosta
Sinceramente não há quem diga que não gosta
Porque tem coisa gostosa
Que quando encosta
Só faz vibrar aquilo que a gente concorda
Amor é poesia vibrando na minha corda
E não tem cobra que morda as próprias costas
Pulsação tranquilizante
Mano malandro da encosta
Faz um jazz tocar sem interrupção
Nas cordas de aço que jamais romperão
Canta em mim um encanto
Cheio de canto pra preencher minha pulsão
Faz fagulha incendiar a lenha da precisão
Paixão desperta no colo mansidão
Deixa o prazer moeda que não precisa de contramão
Sou livre direção
Sentido único da via do coração

Georgia, 2017

Coração partido

Coração Partido

A pior politicagem
aquela dos corações partidos
Corrói minh'alma anarquista
Avessa a qualquer demagogia
Meu peito que era poema
Hoje se dilacera
Diante da eleição do melhor caminho
O presidente da minha vida
Que nunca quis opinar
Era sempre voto nulo
Pra fraudar todos os esquemas
Hoje elege a sua própria campanha
Construiu em mim um corpo de partidos
Fragmentadas ideologias
Degladiam-se em busca de voto
Falsificam identidades
Atiram propina
E seduz o povo com todo tipo de armadilha
E as manias de equilíbrio
Não encontram mais um meio termo
A vida que é sempre como a selva
Nunca excluiu de si a cadeia alimentar
Anunciando sempre o pedrador
Que lá no topo há de ficar

Georgia, 2017

Tempo de presentear

Tempo de Presentear

Quando o divino do céu desceu
E um presente a mim ofereceu
Mexeu com minhas ambições
Minh'alma foi ao material
 E lá primeiramente se rendeu
Pois ainda me encobria o véu
Que só o aqui-agora resplandeceu
Minha vida que é um presente que não desbota
No meu momento vive o gineceu
Não há sofrimento na vida que corre no agora
O futuro jamais terá a certeza que meu peito estarreceu
Ao passado que não mais em mim encosta
Não acelera o presente que é só meu
A segurança que não habita em planilhas
Nem nos planos que ainda não nasceu
Me enraizo no presente
Que o Tempo pra mim prometeu
Não deixarei de correr com as águas
Mas me desacelero pra cuidar do que é ainda meu

Georgia, 2017

Tempo do reencontro

Tempo do Reencontro

Pelas faíscas que não me fizeram apagar
Diante da dor e da opressão
De tanto que balançaram minhas folhas
Eu já não via mais em mim nenhuma função
Como árvore que acredita que chegou o momento de tombar
É caminho fatal para quase tudo que não tem utilização
A árvore atrofia
Quando na rotina não brota mais água que sacia
Por isso sigo a perambular pelo mundo
Conheço muito mais de busca
Do que de se fixar em tudo
Não gosto de buscar racionalmente
Quem vai na frente é um desejo latante
Daqueles que sabe o que realmente sente
Entre o que foi e o que será
Abro o peito e me assento no presente
Aonde a certeza do viajante
Alinha o prumo
Abraçando o horizonte
Que só quem é presente pode ganhar

Georgia, 2017

Tempo de Rejuvenescer

Tempo de Rejuvenescer

As minhas melhores memórias
Não moram em dias escaldantes
Sou filha das chuvas de verão
Cresci na refrescancia
E no ar limpo
Que na minha infância a chuva deixou
Sinto-me em casa
Em qualquer espaço refrescante
Mais do que o molhado
Foi o rejuvenescer que me construiu
Não espero o dia amanhecer
Meu recomeço nao é marcado pela luz do Sol
É na mudança do tempo
Que a chuva anuncia
Que eu recomeço meu novo dia
Transcendendo o calor
Que trocou a paz pela agitação
É a bendita chuva
Que traz o aconchego que existe numa manhã de verão

Georgia, 2017

Mito da caverna revisitado

Mito da caverna revisitado

Houve um dia que o Sol olhou pra mim
E talvez por isso me sinta tão diferente
Pois há um mim um desejo ausente
De ter os holofotes sobre mim
Contradições que constroem o meu dilema
Pois há algo de bom que de mim transborda
Não é só cor e poesia no tecer da minha teia
Há tantos segredos que não cabem mais alojados aqui
Mas sigo sem graça sem saber subir no palco
Por mais que eu saiba que é necessário dar esse salto
Sair da caverna que abafa meus poemas
Desfazer o casulo que tira o sentido  de existir da flor de Açucena
E deixar o rastro do arco-íris surgir
Eu sei que o ritmo que nessa altura fomenta
Tirou-me inúmeras e incontáveis vendas
E mesmo com medo da luz que me alumeia
Há algo que me diz que fora do esconderijo
É possível ter uma vida ainda mais inteira
Já fui perseguida por nascer mulher
Chamaram-me de puta, bruxa e feiticeira
Minha preservação se fez escondida na ribanceira
Hoje me contam que é tempo de outras maneiras
E o Sol que diz ser cheio de paciência
Prometeu me deixar respirar
E que meu corpo não vai mais precisar queimar

Georgia, 2017

A presença do presente

A presença do presente

Queria pedir um dia de presente
Pois surpresas não podem ser solicitadas
É sempre a presença meu melhor presente
Para quem dou e para quem me dá
Os anos voam curtos
Os tempos caminham arredios
Caminhos acelerados
Tempos que nunca param de se gastar
E só há um presente que jamais se desfaz
Sendo o único que ainda posso acumular
Todos os outros só vivem a evaporar
Por isso recheio minha presença de presentes
Eu e tu, um só presente
Acumulando presenças
Nesse tempo que se faz presente
A tua presença seria meu melhor presente

Georgia, 2017

A carga da palavra

A carga da palavra

Há pesares que só cabem em palavras
Porque as palavras tem pesos inimagináveis
Coisas que a poesia tenta resolver
Por em prática o que não se poderia reaver
Palavras caem no chão fazendo estrondos
Verdades mal ditas
Injúrias recebidas
Silêncios sulfurosos
Atrofiam gargantas
Pois sequer poderiam ser ditas
Tamanho seria o sufoco
Ao comunicar as cargas abafadas
Poetisam as palavras quando o coração já bate pouco
Cargas soletradas nem sempre podem ser nominadas
Dores entre letras laçadas
Alivia o meu esquema
E a garganta que silenciou pra manter o poema
Dor humana que qualquer um já soletrou um pouco
Ou formulou frases pra não sofrer como louco
Antes que a voz se tornasse o algoz
De uma quebra que não tem emenda
As palavras se resguardam
E o silêncio é quem comanda a batalha das incoerências

Georgia, 2017