Monday, November 1, 2010

Flor

Paris, primavera 2010


E foi hoje pela primeira vez nessa historia longa e rápida.
Vi a mim. Vi a carapaça incansável  e impenetrável. O movimento sem interrupção, a atividade perene. O descanso do sábado nunca havia passado por aqui.
E pois só de olhar a música se esvair das gargantas feito larvas de vulcão borbulhando toda a vitalidade da sensualidade, lembrei de olhar a mulher que pousada sobre o sofá esperava uma vida para viver.  
 Vi essa flor, essa mulher. Era feito rede de dormir. A explosão toda em si. Ela era toda a sensação. O mais forte perfume, a mais bela canção, o corpo espreguiçado no sofá. Me pareceu  a pureza incansável e a beleza incessante  mirada sobre ela mesma entre flores e cabelos.
A música e o fogo que pulsava dos corpos e gargantas era tudo que eu sentia. Era só o que existia. E nada disso precisava me possuir. Aquilo era e só. Era puro, pois. Era sincero, era fiel, era só o que se era: o sexo, o fogo. Me pareceu uma deusa que os ventos não pára de soprar os cabelos e que o perfume inebriante apresenta o êxtase para si mesmo. Era comum.
Feito espelho, o fogo dos seus chamou o fogo do meu. E me desmanchei e descansei sob a flor. Descansei pela primeira vez. Aceitei e pousei sobre a flor. Eu era ela, ela era eu.
Então eu fui flor. Uma flor. A delicadeza do vento soprava o fogo por todo o corpo feito barro quente no sol do meio dia. O êxtase habitava cada pedaço do barro. Uma flor de barro que se desabrocha nela mesma e se encanta com o desenrolar de cada pétala. Pareceu-me uma sensualidade e pareceu-me uma beleza. Pareceu que não havia fim. Um abandono que me chamava para deitar, ficar quietinha, simplesmente por ali ficar. Era tudo tão simples, tão calmo, tão intenso. O marasmo da praia deserta no pôr-do-sol. Um deixa ser, um deixa estar. A mulher espreguiçada no sofá.
Mas deu preguiça de descansar.
Descansar é uma arte.


Georgia Cardoso
em 1.11.10

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