Monday, February 6, 2017

Museu da eternidade



Não nasci pra me enquadrar ao mundo
Nem quero que o mundo se enquadre a mim
O mundo é apenas o laboratório da minha terra
E minha arte é a alquimia que carrego em mim

Não carrego pedras apenas para seguir as regras
A lei que me rege não funciona assim
Das incoerências sociais que não me encaixo
Encontro meus meios de não morrer dentro de mim

Antigamente já era hora da morte com a minha idade
A voz do peito sempre nos levava ao fim
A decomposição só me apetece ainda hoje
Graças ao que a justiça disse que nunca fez parte de mim

De tudo aquilo que no Tempo entra em deterioração
Faz da vida uma constante escavação
E em mim só restam artefatos e relíquias
Pois foram elas que se alinharam com minha verdadeira sina

O precioso que quase não tem a possibilidade de fim
E o valor do ouro que não baseio no espelho e pente que vem do estrangeiro para mim
A relíquia está naquilo que o Tempo mostrou que se eterniza
E a coleção do museu da minha realidade que para sempre minha existência anima

Georgia, 2017

Hipocrisias familiares



Não me interessa herdar doenças
De quem veio antes nem tudo se aproveita
Na minha lógica a família não é um sistema de casta
Aonde do antigo tudo se aproveita
E o filho proibido de sorrir está
Pois no cabresto a alegria não combina com se dedicar

Há que se reciclar
Como a criança que traz o avô de volta à vida
Não há porque se desqualificar o resto da família
Por uma hierarquia feudal desconectada
Que só volta a vida quando fragmentada se reafirma

Dos crânios rabugentos que não suportam a alegria
Toda criança vira peste que de nada se tira
Quando a inocência não encanta a alma do enrijecido
Há que se perguntar aonde vibra a perpetuação da instituição família
Da pirâmide que estrutura quem me trouxe sabedoria
O velho serve de cacunda pra criança que a luz do céu anuncia

Georgia, 2017

Sunday, February 5, 2017

Amor de viajante



Mais uma vez abracei a estrada
Há muito tempo não nos programamos
Simplesmente nos queremos
Nossa paixão não gera frisson
Eu e a estrada vivemos um amor antigo
Desses que já não gera ansiedades
Nem precisamos nos organizar previamente
Ou criar expectativas que aumentem a vontade de se tocar
O destino foi quem nos deu liga
E nossa união é uma cabaça cheia de magia

Não repito dias
Eu nunca sou a mesma
Só caminho em estradas que não sei para onde vou
Pois só assim posso saciar minha espontaneidade
E viver de fato minha criatividade
Preciso de caminhos desconhecidos
Preciso de destinos indefinidos
Além do errado sigo o mapa dos tesouros escondidos

Já foi dito que é sina de caminhante
Descobrir a vida
Somente enquanto se caminha
Assim abraço esse poderoso instante
Que se revela a cada passo do meu eu viajante
Não tenho pressa
Mas também nao sou vacilante
O vento é quem sopra na minha linha
E traça a rota do meu itinerante
Eu sei que a gravidade é quem me aglutina
Mas é irresistível viver como um ser errante

Georgia, 2017

Hipocrisias amorosas



Minha liberdade que as vezes dá vertigem
Não é fato torto nem solto ao léu
Dar sem receber é a maior falácia de quem não mora no céu
Não há abraço que gere afagos
Quando apenas um lado promove força e direção
Não há afeto que se sustente através da manipulação
Preparar terrenos é mania de quem quer ter controle da situação
Está num planeta longe e não rima com libertação

Amor é um caminho ao meio
Não há trem que pare para subir devaneios
Das mentiras sentidas que guardei calada
Não tem sentido carregar hipocrisia dentro da mala
Sou também mulher malandra
Por isso não me visto mais com roupa de otária
Nao engulo discurso que não se materializa além da casca
Guardo os pés atrás enquanto jogo com todas minhas cartas
Meu destino não é saga de barata
Desculpe meu caro amigo
Mas eu me amo
E não me lanço em história mal contada

Georgia, 2017

Thursday, February 2, 2017

Morada da Deusa


O feminino é morada de infinitos mistérios
Recanto do subjetivo
Casa oculta, câmara escura
De lá de dentro quase nada sabemos
Nosso berço, de onde nascemos
Fonte de prazer
Casa do poder
De ser o que se quiser ser
Criar qualquer coisa que o desejo nos faça ferver
Perseguidores da satisfação
Não há culpa que possibilite essa transição
Da liberdade de ir além de qualquer conceito
Da miserável margem de viver apenas rasteiros
O corpo é muito mais que um simples espelho
E o prazer não merece cercar-se em nenhum cativeiro
Das paixões eternamente criativas
Cada lampejo e odor envolvem infinita magia
Muito mais que uma tela pintada
Muito além das palavras escritas
Perpetuação infinita das verdades cativas
Recriar tudo aquilo que reacende as faíscas
Numa fogueira que não só transcende, inebria
Traz de volta as paixões escondidas
Sê meu Deus que serei tua Vida
Georgia, 2017

Comum Idade


Meu lar é um Oceano
Janaína abençoou nossa casa
E decidiu por aqui ficar
Afastou as indiferenças
Levou com ela tudo que fragmentasse
Aprofundou os vínculos
E fortaleceu nossa comum idade
O rio que nos conduzia
Lançou-se mar a dentro
A doçura mergulhou no sal
E por um instante teve medo de perder o sabor
Mas eis que o mar nos purificou
Lapidou cada cristal de açúcar
A fartura se renovou
O amor mais profundo ficou
Janaína se fez de concha em cima do nosso altar
E a imensidão do mar nunca mais deixou de nos aproximar
Georgia, 2017

Desabafos silenciosos


O silêncio que permeia minha palavra
É como a chuva sentida desta madrugada
Do burburinho que muda quase toda a casa
O som interior precisa de tempo pra lançar a próxima entoada
Muitas páginas se encerraram
E em mim acendeu a tão almejada lamparina
De uma qualidade de expressão que abre diversas sinas
A voz íntima se refaz
E a poesia deixou de ser só mais uma linha
Está além das páginas que apenas viram
É diálogo que no inconsciente se anuncia
E refaz o caminho daquele que a frase lia
O mistério que envolve qualquer museu
Conduz ao longo de incontáveis gerações
Algo que o pintor jamais perdeu
A poesia não é como a faísca que se desfez
Se alinhou e reviveu pra qualquer freguês
Moderninha e ecológica
Desistiu de morrer papel mais uma vez
A palavra voou
Virou foguete
E lá em cima do céu
Rabiscou um lembrete
Há que se escrever estrelas
Há que se viver sem nenhuma estribeira
Perambular palavra por qualquer espaço
Eis o sonho que se anuncia quase que materializado
A poesia era a flor que frutificou
E agora é meu novo corpo já embalsamado
Georgia, 2017

A falácia dos desapegos sem sabedoria


Desapegar-se é inevitável
Assim como as gotas se desapegam do mar
Assim como a nuvem se desapega de si mesma
E volta para a terra e nos faz regar
As folhas caem das árvores
As flores em prol dos frutos deixam de embelezar
De nada adianta lutar por se desapegar
Pois algo maior que nós sempre o fará
A natureza no lugar errado
É feito peixe vivendo em aquário
Como quem desapega de si para viver como miserável
Há que se ter sabedoria
A vida não é uma desconstrução sem regalia
Desapegados que abraçam a infelicidade
Esquecidos do direito de escolher
Desapegaram-se do querer
E viveram a margem do seu próprio ser
Perderam o prazer autêntico
E engoliram a depressão sem perceber
Desapegaram-se da voz interior
E viveram reféns do seu próprio desvalor
O fato que meu juízo persegue
É achar o peso coerente a se liberar
Muitas vezes o melhor desapego
É o de querer sempre se desapegar
Desapegar-se da falta de abraços
E da mania de achar que tudo está favorável
Me desapego de tudo que me tira da prosperidade
Sou um flor que nunca cansa de receber afagos
Minha alma é abundante
Essa é a história que lapido d'un jeito cada vez menos intrigante
Sou flor dourada
Minha natureza é triunfante
A neutralidade que é fruto da transcendência
É o salão aberto aonde dança a minha verdadeira essência
Georgia, 2017

O barquinho dos sentimentais


O tempo provou
O que a paciência sempre desacreditou
O valor de meninas sentimentais
Seduzidas por sonhos sem raiz
Bobagem infantil, dizem os incrédulos
Por isso os sonhos existem em silêncio
Para protegê-los dos que desconhecem a pulsão da pureza
Que é atraída eternamente por sentimentalismos
Nao desacredita do quanto de amor pode receber
Só o excesso de sensibilidade traz a vida pro presente
Diante de um mundo carregado de razão
Não há ciência que se sustente sem emoção
A rigidez fragiliza os metodos
E estátuas de gesso perdem as partes a cada mudança
No balanço do meu barco não cabem pedaços fragilizados
Só corações carregados de sensibilidade
Desses que o mundo tantas vezes descartou
E o juízo do desamor desqualificou
O tempo testemunhou
E o sentimentalismo se renovou
O cor de rosa que minha inocência pintou
É o cristal do amor que minha alma nunca duvidou
Georgia, 2017